quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Os índios guaranis-kaiowás vigiam pequena aldeia próxima à cidade de Dourados, no Mato Grosso do Sul



Não se trata de estética: o esqueleto dos casebres calcinados é muito mais feio do que a presença de gente inofensiva, mas persistente. Vai ver, o que incomoda é justo essa persistência a desafiar a lei do mais forte. A única lei que todos reconhecem na região. Menos os índios.

A razão dos guarani para permanecer na terra é um pouco mais sofisticada. Eles não admitem abandonar seus mortos. Que por sua vez foram assassinados porque se recusavam a abandonar a terra de seus mortos mais antigos -e assim por diante. O fio que dá sentido à vida deles não se rompe com a morte dos antepassados.

Ao contrário: os vivos continuam a se relacionar com os que se foram. Continuam ligados não apenas à memória dos mortos, como nós, mas ao terreno onde morreram e foram enterrados, pois ali eles ainda estão. Não se abandona a terra que abriga os corpos dos antepassados, dos companheiros e filhos, dos que morreram de velhice, de doença ou de tiro, ao proteger o mesmo cemitério indígena onde repousam antepassados ainda mais remotos.

Por isso mesmo a maior maldade que os pistoleiros poderiam ter feito foi sumir com o corpo do cacique Nísio Gomes, no acampamento Guaviry (MS) em 2011, depois de atirarem nele de frente, à queima-roupa. Eles chegaram e chamaram o cacique, que se apresentou de pronto, sabendo que, se fugisse, a família inteira seria atacada.

O corpo foi jogado na caçamba da caminhonete e nunca se soube para onde foi levado. Mais um motivo para o povo do Guaviry não se mover do lugar onde o sangue ficou misturado com a terra.

Não entendi ainda a coragem resignada dos guaranis-kayowás de Mato Grosso do Sul. Será que eles não sabem que suas chances são mínimas?

O que eles reivindicam não é a propriedade, é o pertencimento. Não é a terra "deles", embora saibam que a lei do branco exige papel passado. Não é a propriedade, é a terra à qual eles
pertencem.

Essa língua é mais estrangeira ao capitalista do que a própria língua indígena. A terra não é posse, não se troca por dinheiro, não serve para especular. Serve para você saber quem você é.
Vincent Carelli, o criador do projeto Vídeo nas Aldeias, chama de martírio a disposição de resistência pacífica dos guaranis-kayowás. Pelo jeito, pretendem levar a briga até o fim.

A família de Damiana se afasta em direção aos barracos. Um de nós diz "boa-noite", sem pensar. Isso é coisa que se diga a quem não sabe se vai ter dia seguinte?

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2013/11/1374884-o-fio-que-da-sentido-a-vida.shtml

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