Em
artigo, Álvaro Rodrigues dos Santos diz que gargalo cria problemas como
concepções de projeto direcionadas e inadequadas e falhas e acidentes
na implantação dos mais variados tipos de empreendimentos
O ESVAZIAMENTO TECNOLÓGICO DO ESTADO BRASILEIRO E SUAS TERRÍVEIS CONSEQUÊNCIAS
O
longo e radical processo de esvaziamento tecnológico do estado
brasileiro vem passando ao largo das atenções da sociedade e,
desgraçadamente, de seus representantes nos três grandes poderes da
república. Mas, certamente, não suas gravíssimas consequências, ainda
que nem sempre percebidas em uma relação direta de causa e efeito.
Ao
se analisar o processo de esvaziamento tecnológico da administração
pública direta e indireta é fundamental considerar o especial e
estratégico papel do poder público contratante e fiscalizador, zeloso
por princípio da excelência dos resultados esperados de suas
contratações, como indutor, por suas exigências, da qualidade das
empresas contratadas. Bom lembrar que cabe ao Estado contratante a
missão de fixar já nos termos licitatórios as linhas e concepções
tecnológicas básicas que mais interessarão ao País no que se refere à
qualidade dos objetos contratados, ao aproveitamento máximo de suas
vantagens comparativas e de sua estrutura empresarial. Perde-se a
autonomia dessa decisão quando se perde a competência técnica para
defini-la, para bem conduzir a indispensável interlocução tecnológica
entre contratante e contratados.
Prioridades
de investimentos mal definidas, concepções de projeto direcionadas e
inadequadas, falhas e acidentes na implantação dos mais variados tipos
de empreendimentos, multiplicação exponencial de custos inicialmente
estimados, deterioração precoce dos serviços e obras concluídos,
sobrecarga nos custos de operação e manutenção, degradação da qualidade
dos serviços prestados à sociedade, enorme desperdício de capitais
públicos de investimento, abertura de ambiente e amplo espaço propícios à
corrupção, são algumas das funestas decorrências da perda de substância
tecnológica por parte do estado contratante.
Cumpre
lembrar que nos órgãos da administração direta o processo de
enfraquecimento tecnológico iniciou-se ainda nos anos 50, e de sua
decorrência órgãos públicos que no passado constituíram-se em
verdadeiras escolas de engenharia hoje não passam de meras estruturas
burocráticas contratantes sem nenhuma consistência técnica ou qualquer
vontade estratégica própria.
Mais
recentemente, agora no âmbito da administração indireta, o processo de
privatização de empresas públicas nas áreas de energia,
telecomunicações, transportes e infraestrutura em geral implicou na
dissolução de equipes técnicas de altíssima capacitação e experiência
constituídas ao longo de décadas, assim como em uma temerária
fragilização tecnológica de toda uma cadeia empresarial privada
mobilizada nas contratações. Essas equipes técnicas, então formadas no
âmbito da implantação de empreendimentos da mais alta complexidade
tecnológica, e contando com o entusiasmado e estratégico apoio de
instituições públicas de pesquisa tecnológica, haviam sido responsáveis
pelo desenvolvimento de uma engenharia nacional aplicada às
características econômicas, sociais e fisiográficas próprias de nosso
país e de suas diferentes regiões, guindando-a,
reconhecidamente, ao nível da melhor Engenharia do primeiro mundo.
Fato
real, os novos e positivos patamares do crescimento nacional encontram
hoje o poder público planejador, contratante e fiscalizador totalmente
despreparado para o cumprimento desses seus essenciais atributos.
Dois
outros fatores colaboram ainda para o agravamento desse quadro, o
abandono da saudável diretriz que impedia associações de interesse entre
a empresa projetista e a empresa executora de um empreendimento
licitado e o grande peso com que nossos processos licitatórios continuam
a premiar o parâmetro menor preço.
Recuperar
a substância tecnológica do estado brasileiro não será tarefa fácil ou
simples, porém sem sua realização estar-se-á inexoravelmente
comprometendo o futuro do país em seu aspecto mais transcendente, a
qualidade de vida de sua população. Essa histórica missão será tão menos
difícil quanto mais se apoie no que ainda nos resta de reserva
tecnológica, as universidades e as instituições públicas de pesquisa.
Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
é ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT e ex-diretor da Divisão de
Geologia, autor dos livros "Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e
Prática", "A Grande Barreira da Serra do Mar", "Cubatão", "Diálogos
Geológicos" e "Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções", além de
consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia.
Fonte: listageografia
Portal PINI, 6/Agosto/2013
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