domingo, 27 de dezembro de 2015

Rota 66: A história da polícia que mata

MELLO, Tyrone Andrade de, Resenha do livro BARCELLOS, CACO. Rota 66: A história da polícia que mata. Rio de Janeiro: Record, 2003 (apresentada na disciplina de Geografia do Brasil do curso de Geografia da UFRGS, semestre II de 2015)

Caco Barcellos é jornalista gaúcho e tem um programa atualmente na Rede Globo: Profissão repórter. Nesta obra ele conta sua  pesquisa investigativa  que abrange o período de 22 anos de ação dos matadores da Rota: Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar.  Ele  examina  todos os casos  registrados como tiroteios  desde o dia 9 de abril de 1970 quando houve a fusão da Polícia Civil com a Polícia Militar para a criação da Polícia Militar de São Paulo,  formando o temível Esquadrão da Morte de São Paulo.
O nome “matadores” o autor diz “assim como da unidade  a que pertencem, se repetem  com grande freqüência no  Banco de Dados. Não há dúvida. Eles fazem parte de uma minoria concentrada no 1° Batalhão da Polícia Militar de São Paulo, mas especificamente  de uma unidade considerada  a elite da corporação  - as Rondas Ostensiva Tobias de Aguiar, Rota. Alguns são homens experientes, que estão na PM desde a criação da Rota, outubro de 1970, para reprimir  as ações guerrilheiras de assaltos a bancos. Os primeiros nomes registrados no Banco de dados, como matadores, são de PMs envolvidos na guerra  contra a guerrilha: os sargentos Absalom Moreira da Luz e Manoel Alves do Nascimento.” (Barcellos, 2003,p.90). O autor então usa esse termo em toda a sua obra.
O livro está dividido em  três partes: Primeira parte, Rota 66, depois, Os Matadores, e em seguida, Os inocentes.
A “Rota 66” que dá nome à primeira parte da obra é o primeiro caso  de três rapazes do Fusca azul (capítulo 1 – a perseguição). O autor diz “O caso da Rota 66 é a notícia número 255 da fonte NP (Notícias Populares) da minha pesquisa. Leio com extrema atenção. Para mim, tem uma grande importância. Anotar os dados dos três rapazes do Fusca Azul significa, por coincidência que estou completando a leitura  sobre tiroteios  ocorridos em cincos anos de história da Polícia Militar de São Paulo” (Barcellos, 2003, p.89) por não pertencerem  à sociedade marginalizada.
O autor com muito cuidado na divulgação do livro  “tínhamos   muito para provar” os (Barcellos, 2003,p.337) acusados pela execução por ordem do comando-geral da Polícia Militar. Assim ele o faz durante toda a obra. Em Os Matadores, o autor mostra  como agiam os matadores contando a história de Warner Bossato, mecânico de moto desempregado. Na Terceira, Os inocentes, o autor conclui sua obra contando a história das vítimas que eram perseguidas pelos matadores. O autor diz “o resultado do confronto do nosso Banco de Dados com os arquivos da Justiça Civil revela que 65% das vítimas da PM que conseguimos identificar eram inocentes.” (Barcellos, 2003,p.327).
Essa é a organização geral da obra, começando com o espaço de atuação dos Matadores ou Esquadrão da Morte, em seguida as técnicas e métodos usadas no BO, Boletim de Ocorrência, à versão oficial dos tiroteios. E por fim, os protagonistas principais, os cidadão comuns, a classe trabalhadora alvo dessa minoria da Polícia Militar que é ou era alvo.
A seguir, alguns detalhamento importantes da obra de Caco Barcellos:
Rota 66
Nesta parte é composta por nove seções. Caco Barcellos nos conta como agiam o esquadrão da morte na rota 66, rota 13 (dos três rapazes) que eles atuavam nas ruas da grande metrópole nacional. Também de Porto Alegre Vila São José no bairro Partenon, periferia da Metrópole. Esses matadores esteve  envolvidos  em supostos tiroteios na companhias dos vinte  matadores (capitão, sargento, soldado, cabo).
Os títulos de cada seção são sugestivos como a “perseguição” que conta  a história de três rapazes de classe média vítimas dos matadores da rota 13. Na seção seguinte “Doutor Barriga” faz referência ao delegado “era  extremamente  grosseiro e violento conhecido  em todo o bairro. Muitas vezes  eu havia assistido a suas perseguições aos ladrões da minha rua. Os vizinhos trabalhadores também são obrigados a se esconder ou fugir. O delegado considerava todo mundo suspeito. Ao prender alguém, sempre aplica o inverso da lei. Ao provar a culpa do suspeito, costuma exigir que o detido prove sua inocência. O meu  maior medo é do batismo do Doutor barriga. Quem é preso pela primeira vez é punido, no mínimo, com uma noite de castigo no xadrez da viatura.” (Caco, p26-27).
Nos títulos das  seções seguintes fazem referência como os três rapazes foram humilhados pelos matadores preconceituosos “nenhum deles trabalha pela manhã, depois  passam tardes inteiras sentados sobre  as almofadas e o tapete de sisal. O cigarro passando de mão em mão. Todos sabem que fumar maconha é um ato ilegal, mas não se  sentem culpados. Pensam sobre o assunto de forma parecida. Acham a proibição absurda, estimulada pelo preconceito e a desinformação. A ilegalidade das drogas é sempre motivo de um longo papo entre eles, como aconteceu hoje à tarde.” (Caco, p. 42) Nesse caso “reservada aos heróis” eram os três rapazes, eles não têm o perfil do inimigo que  a Rota costuma perseguir, caçando criminosos comuns,  os rapazes eram ricos.
Caco Barcelos  diz que “os  PMS do patrulhamento das cidades brasileiras são orientados  pelo comando de militares  do Exército Nacional, que tem uma visão deformada do conceito de segurança pública. Obrigam seus comandados a praticar, com prioridade, a defesa da propriedade dos mais ricos. O resultado é o que se vê diariamente nas ruas. Uma perseguição violenta e sistemática exclusivamente contra o que eles chamam de marginal: o cidadão proveniente  da maioria  pobre que causa prejuízo à minoria rica da sociedade.” (Caco, p.34).  Essa forma precisa mudar no país, o preconceito racial e social está longe de acabar.
Os Matadores
Nesta parte do livro dividido em sete seções nos conta como o esquadrão da morte agiam nas ruas caçando  criminosos comuns numa perseguição violenta e sistemática.  Aqui o autor  novamente se utiliza dos títulos para referenciar  o sangue frio dos matadores, também nos registros policiais.
Na seção “Hospital: esconderijo  de cadáver” é exemplar. O autor nos  diz “todos foram unânimes (médicos) em afirmar  que, salvo raras exceções, as vítimas não chegam feridas  ao hospital, mas sim mortas. Alguns corpos até já acusam rigidez cadavérica, sinal da morte  ter  ocorrido há mais de três horas. Questionei por que eles não se negam a internar cadáveres nos hospitais. As razões são variadas. Cada  médico apresenta uma desculpa pouco convincente, que tem  em comum o medo, a omissão e o desinteresse em enfrentar a polícia para defender pessoas que a sociedade marginaliza.” (Caco, p.170-171). O autor fez uma investigação  das circunstâncias  onde os suspeitos são atacados pelos policiais e por isso essa seção é riquíssima de informações.
Também nas seções seguintes o autor conta  os nomes  dos vinte maiores  matadores da PM, mas nem todos os PMs se  identificam de matar civis durante o policiamento. O  soldado  Florisvaldo de Oliveira por exemplo o autor nos diz “conhecido como Cabo Bruno usava um método particular. Muitas vezes matava nos dias de folga e costumava deixar o cadáver no local do crime ou desová-lo em outro lugar. Nunca se identificava como autor. Depois de ter sido denunciado  como matador, ele próprio confessou, em entrevista aos repórteres Hugo Sá Peixoto e Mônica Teixeira, o assassinato de mais de trinta jovens.” (Caco, p.172).

Os inocentes
Por fim a terceira parte, é a mais importante, O autor conta  as histórias  de algumas  das vítimas mortas pelos matadores. Essa parte se divide em sete seções e, como praxe, os títulos faz referencia a cada uma das histórias investigadas resultando num banco de dados: “em 1970, os funcionários do Instituto Médico Legal registraram  62 vítimas de latrocínios, que é crime de morte praticado durante  um assalto. O índice dos assassinatos de autoria do cidadão comum, o homicídio, era inferior a dois por dias. Já no primeiro ano de ação policiais militares mataram 28 pessoas. O número da década de 70 mostra que a violência policial foi muito maior em relação aos dos criminosos  e cidadãos comuns. Os latrocínios pularam de 62 )em 1970) par 276 (em 1980). Os homicídios, de 666 (em 70) para 1.424 (em 80). Já os assassinatos dos policiais passaram de 28 (em 70) para 280 (em 80). A diferença se acentua ainda mais  ao longo da década de 80. O cidadão comum se tornou mais violento. De 80  a 90 houve um crescimento de 300 por centro nos números de homicídios, que passaram a refletir um alto índice de desarmonia social.” (Caco, p.163-4) Ainda “a partir de 1990 se observa um grande incentivo aos homens  da Rota, que ganharam equipamento e carros  novos. O efetivo aumentou de 250 para 679 homens. A violência dos matadores bateu os recordes.” (Caco, p.166)
A seção mais exemplar é “Mataram um amigo meu”, amigo do próprio autor que se chama Fernando Ramos da Silva conhecido como Pixote. Esse personagem é simbólico praticamente em toda a terceira parte.

O autor diz “o dia que conheci Pixote, em 1980. Era  um menino pobre, de 13 anos, filho de migrantes, que trabalhava nas ruas ajudando a mãe a vender bilhete de loteria. Acabara de ser contratado como ator do filme Pixote, a lei do  mais fraco, que transformou sua vida. Trabalhou em outros dois filmes, duas peças de teatro e em uma telenovela de horário nobre. No primeiro filme, que o tornou famoso, representou o papel parecido com o dele na vida real:  vendedor de chicletes na rua que se  envolvia em pequenos  furtos. O filme acaba com uma cena em que o diretor prevê um futuro trágico para a vida de Pixote.” (Caco, p.296). O  morte  de Pixote é a repetição de vários  casos de brutalidade que o autor nos conta  no livro,  montando  um banco de dados com um volume  de mortos e feridos de  civis, O saldo de 7.500 vítimas da Polícia Militar.


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